O relato da Bíblia sobre o Rei Davi é tão conhecido que até mesmo as pessoas que raramente abrem o Livro Sagrado provavelmente têm uma idéia de sua grandeza.
Davi, segundo a Escritura, era um líder militar tão soberbo que não só capturou Jerusalém, mas também transformou a cidade na sede de um império, unificando os reinados de Judá e Israel. Assim começou a era gloriosa, mais tarde ampliada por seu filho, o Rei Salomão, cuja influência se estendeu da fronteira do Egito até o Rio Eufrates. Depois, veio a decadência.
Mas e se a descrição da Bíblia não estiver de acordo com as evidências do solo? E se Jerusalém de David era, na realidade, um vilarejo rural atrasado e a grandeza de Israel e de Judá estivessem num futuro longínquo?
Recentemente, as autoridades em arqueologia de Israel têm feito essas afirmativas, falando do ponto de vista das descobertas recentes de escavações do passado antigo. "Da maneira que vejo as descobertas, não há evidência alguma de uma grande e unida monarquia, nem de Jerusalém governando vastos territórios", disse Israel Finkelstein, diretor do Instituto de Arqueologia da Universidade de Tel Aviv. A Jerusalém do Rei David, acrescentou Finkelstein, "não era nada além de uma pobre vila na época".
Afirmativas desse tipo deram a Finkelstein uma reputação de um acadêmico fascinante porém controverso. Ele é chefe das escavações de Megiddo, um sítio arqueológico vitalmente importante no norte de Israel. Seus relatórios de Megiddo afirmam que algumas estruturas atribuídas a Salomão, na realidade, foram construídas depois de seu reino. Isto gerou um grande debate em Israel.
Em um contexto maior, o discurso de Finkelstein reflete uma mudança surpreendente que vem ocorrendo entre alguns arqueólogos de Israel. Suas interpretações contestam algumas das histórias mais conhecidas da Bíblia, como por exemplo, a conquista de Canaã por Josué.
Outras descobertas dão informações suplementares à Escritura, como o que aconteceu com Jerusalém depois que foi capturada pelos Babilônios há 2.600 anos.
Em entrevista por e-mail do sítio de Megiddo, Finkelstein disse que antes, "a história bíblica ditava o curso da pesquisa e a arqueologia era usada para 'provar' a narrativa bíblica". Desta forma, disse, a arqueologia tornou-se uma disciplina secundária.
"Acho que chegou a hora de colocarmos a arqueologia na linha de frente", disse Finkelstein, co-autor, com Neil Asher Silberman, do livro "The Bible Unearthed" (a Bíblia escavada), a ser publicado em janeiro pela The Free Press.
As práticas do passado às quais aludiu podem ser ilustradas por uma observação feita por Yigael Yadin, general israelense que se voltou para a arqueologia. Certa vez ele declarou que entrava em campo com uma espada em uma mão e a Bíblia na outra.
Muitos arqueólogos, tanto antes da fundação do estado moderno de Israel quanto depois, tinham o mesmo tipo de estratégia: buscar evidências diretas de histórias bíblicas. Essa maneira de ver era gerada por suas convicções religiosas ou sionistas, disse Amy Dockser Marcus, autora de "The View From Nebo" (a vista de Nebo, editora Little Brown). Seu livro descreve, de forma cativante e detalhada, a mudança que está acontecendo na arqueologia
Em seu livro, Marcus -ex-correspondente do The Wall Street Journal no oriente médio - conta que Yadin acreditava que havia escavado evidências nas ruínas de Hazor que corroboravam o relato bíblico de como a cidade cananéia havia sido destruída. A Bíblia diz que Hazor caiu com a invasão dos Israelitas liderada por Josué.
Mas, atualmente, diz ela, um número cada vez maior de arqueólogos começa a duvidar que essa campanha de Josué jamais tenha acontecido. Ao invés disso, eles teorizam que os antigos israelitas emergiram gradual e pacificamente, de dentro da população geral da região. Eles propõem uma evolução demográfica e não uma invasão militar. "E isso explicaria porque sua cerâmica, sua arquitetura e sua escrita são tão similares a dos cananeus", disse Marcus.
Finkelstein utiliza o mesmo argumento: "A arqueologia demonstrou que Israel de fato emergiu da população local no final do período de bronze de Canaã". E mais, disse, a arqueologia não descobriu nenhum resto físico que sustente a história bíblica do Êxodo: "Não há nenhuma evidência de que os israelitas vagaram pelo deserto do Sinai".
Quando perguntamos qual foi a reação de Israel a essas conclusões, Finkelstein respondeu "forte e negativa". Mas a raiva, disse ele, não veio dos Judeus estritamente Ortodoxos ("que simplesmente nos ignoram", disse), mas de judeus mais seculares que se orgulham das histórias bíblicas por seu valor simbólico para Israel de hoje. "Acredito que a geração mais jovem - ao menos o lado liberal- estará mais aberta e disposta a ouvir", disse.
Ainda existem, entretanto, discordâncias consideráveis entre os arqueólogos em como interpretar muitas das descobertas recentes. Além disso, as novas teorias sobre Israel antigo estão surgindo logo depois de uma discussão apaixonada contra os "minimalistas" bíblicos, um grupo de acadêmicos que dizem que os relatos bíblicos do início de Israel, inclusive as histórias e Davi e Salomão têm pouca, se alguma, base na história.
(Este debate aconteceu recentemente em uma animada edição da Biblical Archaeology Review, uma revista bimensal publicada em Washington, na qual um dos minimalistas, o inglês Philip Davies, escreveu que a descrição bíblica do princípio de Israel era puramente teológica e não histórica. Um dos maiores críticos aos minimalistas, o arqueólogo americano William Dever, respondeu ao artigo de Davies, afirmando que vastas evidências físicas mostravam que os israelitas moravam nas partes altas da região há 3.200 anos, dois séculos antes da era de Davi e salomão
Nenhum comentário:
Postar um comentário