Embora a medula óssea seja especialmente rica em células-tronco, estas podem ser encontradas em qualquer órgão. Quando ocorre uma pequena lesão no órgão, as células-tronco locais entram em ação e fazem os reparos necessários. É o que ocorre, por exemplo, quando a pessoa se corta: a cicatrização é fruto do trabalho das células-tronco existententes na pele. No entanto, se o órgão apresenta uma lesão extensa, as células-tronco locais não vão ser suficientes para sanar o problema. Então, as células-tronco da medula óssea talvez precisem ser recrutadas. Mas, como elas estão ancoradas em uma matriz esponjosa, poucas conseguem se soltar e migrar espontaneamente até o órgão lesado. A hipótese de Santos é a de que o uso de células-tronco para reparos no organismo é um processo natural que, no caso de lesões mais graves, precisa de um "empurrãozinho" externo.
Esse "empurrãozinho" consiste em retirar as células-tronco da medula óssea e conduzi-las até as três coronárias, no caso da doença de Chagas. "O transplante de células-tronco inicia o processo de reparo. Um mês depois, a administração do hormônio GCSF vai auxiliar esse processo já deflagrado", justifica Santos. As células-tronco vão agir no coração do chagásico porque a inflamação tem o poder de atraí-las. Se o músculo cardíaco estivesse intacto, as células-tronco não permaneceriam ali. A opção de levar as células-tronco até o mais próximo possível da área lesada se justifica porque, se elas fossem injetadas na circulação sangüínea, provavelmente ficariam retidas no baço, que funciona como uma espécie de peneira de tudo que circula no sangue.
Inicialmente, os pesquisadores pensavam que as células-tronco recuperavam o coração dos chagásicos porque se transformavam em células cardíacas e de vaso sangüíneo. Contudo, a equipe de Santos acaba de comprovar que existe outro mecanismo envolvido, além da transformação. "A célula-tronco se funde à célula doente e esta tem sua função restaurada", explica o imunologista. Santos injetou células-tronco de um camundongo macho em uma fêmea doente. Visualizou ao microscópio, no tecido em regeneração, células com dois núcleos, um de macho e outro de fêmea, o que comprova a ocorrência da fusão celular.
Já se sabe também que as células-tronco diminuem a inflamação porque produzem hormônios que induzem a morte programada das células inflamatórias. Enquanto camundongos chagásicos não-tratados têm 300 células inflamatórias por milímetro quadrado do coração, animais submetidos ao transplante de células-tronco apresentam pouco mais de 100, e esse número se mantém baixo.
A redução da fibrose, por sua vez, deve ocorrer pelo aumento da atividade de metaloproteases que dissolvem o colágeno e, conseqüentemente, destroem a cicatriz fibrosa. Em camundongos chagásicos, o percentual de fibrose por milímetro quadrado do coração cai de cerca de 30% para pouco menos de 10%, após o tratamento com células-tronco.
A capacidade do coração de bombear sangue é medida pela fração de ejeção, que, no ser humano médio, é de 50%. "Nos pacientes chagásicos submetidos ao transplante de células-tronco, esse percentual, que estava péssimo, em torno de 20%, teve uma melhora de 10%", exemplifica Santos. Os cardiologistas do Hospital Santa Izabel avaliaram a qualidade de vida de uma dezena de chagásicos por meio da aplicação de um questionário padronizado pela Universidade de Minnesota (Estados Unidos). Quanto maior a pontuação calculada a partir das respostas ao questionário, pior a qualidade de vida do indivíduo. Transcorridos seis meses do transplante, a pontuação dos dez pacientes caiu pela metade.
"São esses resultados que vamos levar para a próxima etapa do projeto, que prevê a realização do transplante de células-tronco em mais 300 chagásicos", diz Santos. O médico coordena o Instituto do Milênio de Bioengenharia Tecidual, que reúne trabalhos sobre terapias com células-tronco realizados em diferentes estados brasileiros. Na lista de enfermidades estudadas estão infarto, derrame, diabetes, doenças auto-imunes, cirrose, fibrose e epilepsia. O Instituto do Milênio recebeu do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) pouco mais de US$ 2 milhões para a realização de pesquisas por um período de três anos, prazo que esgota agora no final do ano. "Mas já está previsto um novo edital para a continuação do trabalho", comenta. O programa também recebe verbas do National Institutes of Health (NIH), vinculado ao governo americano, e, em breve, entrará em uma segunda fase com o financiamento do Ministério da Saúde.
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